Vítimas das redes

Golfinhos, vítimas das redes de pesca

A somar aos seus predadores tradicionais, os golfinhos enfrentam agora um novo e temível obstáculo: as redes de pesca derivantes.

Como fantásticas cortinas, estas redes estendem-se por quilómetros, aprisionando todos os seres que as tentam atravessar. Poderão os golfinhos sobreviver num mar de redes?

Os golfinhos (bem como as focas, as baleias, as tartarugas e as aves marinhas) enfrentam hoje, nos mares, a ameaça crescente da morte por afogamento em redes de pesca, que não têm por objectivo a sua captura. Estas ocorrências são, por isso, tratadas como capturas acidentais.

Quando estes animais colidem com as redes tendem a ficar presos, tal como acontece aos peixes, e quanto mais se debatem mais amaranhados ficam, acabando por afogar-se.

Este factor de mortalidade tem vindo a tornar-se cada vez mais importante, atingindo proporções alarmantes em termos da sobrevivência de algumas populações costeiras de cetáceos. Globalmente, constitui já uma ameaça mais grave do que as capturas directas, estimando-se que morram anualmente nas redes mais de um milhão de animais, só no grupo dos pequenos cetáceos. Independentemente desta pressão sobre as espécies, devemos ter em conta que a morte por afogamento deve ser particularmente atroz para estes mamíferos, evolutivamente modificados para viver na água. Muitas das suas adaptações fisiológicas e comportamentais tem justamente a função de garantir o acesso de cada animal ao ar para respirar, acima da massa aquática em que vivem. Um dos padrões de comportamento comum nos cetáceos, exemplificativo disso mesmo, consiste no apoio que prestam a companheiros em dificuldades no sentido de os manter á superfície se estiverem feridos ou doentes.

São diariamente estendidos pelos oceanos milhares e milhares de quilómetros de redes de pesca, num esforço de captura sempre crescente e de resultados geralmente minguantes, a não ser quando se aumenta o poder destrutivo das artes ou quando se recorre a tecnologias de apoio dispendiosas.

É do conhecimento geral que as práticas desta indústria são difíceis de regular e controlar com eficácia, embora alguns operadores mostrem boa vontade no esforço de reduzir a mortalidade nas espécies não comerciais e de evitar a exaustão dos recursos.

A armadilha das derivantes

Para além das redes convencionais e de uma espantosa quantidade de redes perdidas (as redes “fantasmas”, tão mortíferas como as outras), proliferam hoje nos mares as tenebrosas redes derivantes (Drift nets). Esta “arte” tornou-se um caso especial na política pesqueira dada a mortalidade indiscriminada que causa, pelo que merece uma atenção especial.

As redes derivantes de emalhar são painéis verticais, de malha com um mínimo de 31 milímetros, ficando suspensas por bóias, com pesos na parte inferior, constituindo uma cortina de 15 ou 20 metros de profundidade, e que pode atingir 60 quilómetros de comprimento na pesca oceânica. No Pacífico Norte, as frotas combinadas do Japão, de Taiwan e da Coreia do Sul lançaram, na época de 1988/89, 30.000 quilómetros de redes derivantes por noite, num total de 1,6 milhões de quilómetros de redes.

Por serem redes tão extensas, ocorrem frequentemente fragmentações, que dão origem a segmentos “fantasmas”, os quais continuarão a enredar todos as animais que encontrem no seu caminho. Podem decorrer dias até que o peso de todas estas criaturas sacrificadas leve a rede para o fundo.

Naturalmente, diversos países proibiram já as redes derivantes nas suas águas territoriais e estão em curso planos para a sua proibição promovidos pelas Nações Unidas, pela União Europeia e por coligações de países. No entanto, apesar dos seus efeitos notoriamente devastadores, as redes derivantes conservam adeptos nos centros mais respeitáveis.

Recordemos o que se passa na União Europeia. Por proposta do anterior comissário europeu para o ambiente, Loannis Paleokrassas, e na sequência de um relatório apresentado pelo eurodeputado português Vasco Garcia, foi estabelecido um plano para banir as redes derivantes das águas da União até ao fim de 1997, embora continuem a ser legais as redes com comprimentos até 2,5 quilómetros.

A França, cujos barcos usam redes derivantes de 5 quilómetros, que causam anualmente a morte de 1700 golfinhos (segundo as estimativas dos próprios franceses) recusou-se a aderir a esse plano comunitário. Na Itália, a anterior ministra Poli Bortone ordena ás autoridades que ignorassem as directivas e encorajou os pescadores a continuarem com o uso das redes derivantes em larga escala, apesar de se estimar que causassem a morte de 8000 mamíferos marinhos anualmente. Só recentemente se discute naquele país a possibilidade de apoiar a reconversão desta arte. Para isso foi necessário que uma coligação de 14 organizações ambientalistas (entre as quais se encontravam a WWF e a Greenpeace) reunisse 500000 assinaturas em Itália, protestando contra aquela prática.

Também em Portugal as redes capturam acidentalmente cetáceos, sobretudos os golfinhos mais comuns, mas também espécies mais ameaçadas, como o boto, Phocoena phocoena. Não existem números precisos, embora o Instituto de Conservação da Natureza, interessado em acompanhar o problema, registe anualmente algumas dezenas de casos, certamente uma minoria das ocorrências. As redes de emalhar são hoje a arte mais importante do país, e infelizmente também são permitidas na versão derivante, embora com comprimentos máximos de 300 metros e 10 metros de altura.

Um enigma (ainda) sem chave

Mas como se enreda um cetáceo? Os golfinhos e as baleias são animais com uma audição apuradíssima e muitos deles obtém informação acerca do meio através dos ecos das suas próprias emissões de sons e ultra-sons (processo denominado “ecolocalização”).

Sobretudo no caso dos golfinhos, começa por parecer estranho o próprio facto de se deixarem enredar, dado que têm sido neles demonstradas capacidades extraordinárias de descriminarão de objectos através da ecolocalização. Nestas condições, porque são eles incapazes de detectar redes por vezes com 15 metros de altura?

O especialista americano Whitlow Au mediu a intensidade dos ecos produzidos por vários tipos de malhas e concluiu que, em teoria, um golfinho deveria poder detectar qualquer tipo de rede se emitir os seus impulsos de ultra-sons a cerca de 10 metros de distância. As circunstâncias que se verificam no mundo real, no entanto, não correspondem às esperadas pela teoria, e várias hipóteses se levantam.

É bem possível, em primeiro lugar, que os golfinhos passem a maior parte do tempo sem emitir impulsos. A ecolocalização pode ser usada intensivamente apenas em situações de caça. Por outro lado, eles estão habituados a encontrar outras barreiras acusticamente detectáveis, com um eco de intensidade comparável ao das redes, como bolhas de ar ou massas de organismos planctónicos, mas que são penetráveis e não representam perigo. Outra possibilidade ainda é que a presença de peixes a debater na própria rede atraía os golfinhos e a distracção provocada pelas presas não lhes permita dar-se conta da proximidade e do perigo da malha.

O inglês David Goodson sugere outra dificuldade importante para um golfinho que se aproxime de um peixe enredado: a fixação do seu sistema de ecolocalização num alvo em aproximação relativa crescente implica um aumento progressivo da frequência de emissão dos impulsos, o que reduz grandemente a capacidade de detecção de objectos “secundários”.

No caso de outros cetáceos que não usam ecolocalização activa, como as baleias, a falta de visibilidade parece aumentar a incidência de enredamentos, já que estes ocorrem sobretudo durante a noite, e, no caso de zonas costeiras, a seguir a tempestades que aumentam a turbidez das águas.

Alarmes nas redes

O que se poderá então fazer para reduzir a mortalidade causada pelas redes, sem prejudicar a eficácia das artes de pesca? Por outras palavras, como aumentar a detectabilidade ou visibilidade das redes para os cetáceos, e, mais ainda, como afastálos das redes?

Diversas tentativas práticas têm sido feitas, usando avisadores activos (emissores) ou reflectores passivos, em vários tipos de artes. Os resultados têm sido inconsistentes e preocupantes, levando muitas questões sem conseguirem resolver o problema.

A utilização de alarmes sonoros tem sido um exemplo destas dificuldades. Após a descoberta, no Canadá, de que as belugas (também conhecidas por baleias-brancas, Delphinapterus leucas) se afastavam dos aparelhos para o salmão se neles fossem colocados altifalantes subaquáticos projectando sons de orcas, vários esforços foram desenvolvidos para encontrar um modelo de emissor subaquático simultaneamente barato, fácil de alimentar, eficaz como avisador para os cetáceos mas indetectável para as espécies-alvo. Não se encontrou ainda nenhum modelo com sucesso generalizado, quer por razões técnicas, quer por razões que decorrem do próprio comportamento e psicologia dos cetáceos.

Quatro tipos de emissor que foram testados no Japão e um modelo usado na África do Sul não produziram qualquer redução significativa na mortalidade dos cetáceos. Foi até sugerido que a associação entre os sons e as redes (nas quais existe alimento disponível) atrai os golfinhos como um “sino do cozinheiro”, tornando os alarmes contraproducentes. Só seriam capazes de associar os sons a um perigo os animais sobreviventes de um enredamento, e esses são muito menos do que associam os sons a presas fáceis.

Na Terra Nova, ocorrem frequentemente enredamentos da baleias-de-bassas (as famosas baleias cantoras) nas armadilhas para o bacalhau e noutras artes costeiras. Além de causarem uma morte horrível aos majestosos animais, estes acidentes representam prejuízos elevados para os pescadores.

Está em curso um programa para tentar reduzir o número destes acidentes, usando também alarmes activos. O investigador Jon Lien tem relatado algumas diferenças estatisticamente significativas entre o número de enredamentos de baleias em armadilhas desprovidas de alarmes e naquelas em que são colocados os alarmes. Após testar diversos protótipos de emissor, acabou por descobrir uma solução prática e económica nos alarmes de marcha-atrás usados nos camiões, que apesar de funcionarem como bons avisadores para as baleias são discretos para ao bacalhaus.

Existe no entanto a seguinte problema: se a seguir a uma série de armadilhas providas de alarme surgir uma armadilha sem alarme, a probabilidade de uma baleia colidir com ela e se enredar é altíssima, talvez por se encontrar reduzida a atenção do animal. Analogamente, se uma escada escura assinalarmos com tinta fluorescente todos as degraus menos os três últimos, muitas pessoas ali tropeçaram. Isto é, ou se colocam alarmes em todas as redes de uma região ou então aumentaremos a mortalidade nas redes que não os tenham.

Restrições à vista?

Um esforço diferente é o de tornar as redes passivamente mais “visíveis” para a percepção natural dos cetáceos. A adição às malhas de tubos ocos de plástico, discos de alumínio ou outros alvos aumenta muito a intensidade dos ecos produzidos pela rede, mas também se tem verificado que não produz reduções significativas na mortalidade dos cetáceos. Apenas um estudo japonês, no qual foram colocados fios de contas ocas em redes de emalhar derivantes, revelou uma ligeira redução na mortalidade relativamente às redes normais. Destes estudos com redes derivantes, a redução de mortalidade mais significativa foi obtida por investigadores australianos que colocaram a parte superior da rede alguns metros abaixo da superfície

As experiências continuam, e algumas equipas ainda não desistiram de encontrar um reflector que seja capaz de tornar uma rede bem detectável para um golfinho mesmo antes de este se dar conta de que nela existem peixes.